SUBSTITUTIVO AO PLANO DIRETOR INOVA POSITIVAMENTE
Álvaro Rodrigues dos Santos (1)
Pela primeira vez o texto do novo Plano Diretor de São Paulo (e talvez pela primeira vez um Plano Diretor municipal no Brasil) poderá se referir explicitamente à Carta Geotécnica como um documento básico para as ações de uso e ocupação do solo urbano.
A Carta Geotécnica para fins urbanos é um documento cartográfico que informa sobre o comportamento dos diferentes compartimentos geológicos homogêneos de uma região frente às solicitações de ocupação urbana, e complementarmente indica as melhores opções técnicas para que essa intervenção se dê com pleno sucesso técnico e econômico.
São inúmeros, graves, e muitas vezes trágicos os problemas que a capital paulista enfrenta por um elementar desencontro técnico entre a forma como cresce e ocupa seu território e as características geológicas, geomorfológicas e hidrológicas naturais dos terrenos ocupados. Enormes perdas patrimoniais, sociais e econômicas e frequentes perdas de vidas humanas estão entre as consequências que infelizmente vem se tornando mais intensas e comuns.
Processos erosivos com destruição de infraestrutura urbana e assoreamento/obstrução de drenagens com enchentes associadas, geração de áreas de risco com deslizamentos em taludes de corte e encostas naturais, solapamentos de habitações construídas às margens de cursos d’água, comprometimento de fundações por consequência de variáveis geotécnicas não consideradas, afundamentos de terrenos com destruição de equipamentos públicos, contaminação de águas superficiais e subterrâneas devido à localização inadequada de aterros sanitários, lixões, cemitérios, indústrias utilizadoras de insumos perigosos, degradação de mananciais, má gestão do aproveitamento dos recursos naturais do município como pedreiras, cascalheiras, argileiras e outros recursos minerais primários, perda de reservas estratégicas de água subterrânea, são problemas cada vez mais frequentes na cidade e sua metrópole, resultado direto da completa ausência de uma regulação técnica mais adequada na ocupação urbana de seu território.
O instrumento técnico mais efetivo para se colocar ordem técnica nas relações da urbanização com as características geológicas, geomorfológicas e hidrológicas dos terrenos é a Carta Geotécnica. Importante frisar esse conceito: uma Carta Geotécnica implica necessariamente a conjugação do mapa de compartimentos geotécnicos homogêneos com as recomendações técnicas de ocupação, sejam aquelas referentes aos arranjos urbanísticos, sejam aquelas referentes a aspectos diretamente construtivos.
No substitutivo ao texto do Plano Diretor Estratégico originalmente enviado pelo Executivo ao exame da Câmara, e recém apresentado e proposto pelo vereador Nabil Bonduki, responsável na casa para tanto, à análise da Comissão de Política Urbana Metropolitana da Câmara de Vereadores, a Carta Geotécnica e ações que deverão nela se apoiar estão direta ou indiretamente citadas em inúmeros artigos. De outra parte, essa inovação atende ao que determina a recente Lei Federal 12.608, que modificou o Estatuto das Cidades estabelecendo a obrigatoriedade dos Planos Diretores municipais referenciarem-se a uma Carta Geotécnica. Merece o vereador os cumprimentos por seu descortino.
Claro, sempre será possível melhorar o texto, mas já foi um grande avanço, uma vitória dos geólogos, geógrafos, geotécnicos e arquitetos que desde há muito defendem essa decisão como fundamental para a capital paulista e para a qualidade de vida de sua população.
Precisamos todos continuar ativos nesse final de discussões públicas para que essa vitória se consagre definitivamente.
(1) Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos”, “Cubatão” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”
Consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia