Incertezas rondam o setor mineral brasileiro
FANTASMAS DE MONOPOLIZAÇÃO E REESTATIZAÇÃO VOLTAM A ASSOMBRAR O SETOR MINERAL BRASILEIRO
Douglas Arantes, Elmer Prata Salomão, Luiz Maurício Azevedo e Luiz Vessani*
Temos a satisfação de comunicar a criação da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE PESQUISA MINERAL – ABPM, entidade que representa o segmento da mineração voltado para a descoberta, avaliação e futura produção dos recursos minerais em todo território nacional, incluindo empresas de pesquisa, de consultoria, de investimentos e de serviços. Apesar de recém-constituída, a entidade já conta com cerca de 40 empresas afiliadas.
Tomamos conhecimento da entrevista concedida a esta Revista em 4/7/12 pelo Prof. Claudio Scliar, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME (Brasil Mineral Online nº 559), na qual contesta noticiário da imprensa e adianta pontos da legislação que o Governo prepara em substituição ao atual Código de Mineração. Diante das diversas afirmativas do Sr. Secretário, a ABPM entende ser necessário e urgente esclarecer a comunidade mineral brasileira sobre os efeito e conseqüências de tais medidas, que se tomadas produzirão efeitos ruinosos à atividade de exploração mineral e, por extensão, à mineração do país. Já agora, a paralisação de emissão de alvarás de pesquisa e portarias de lavra, aliado à repercussão das declarações do Sr. Secretário, tem ocasionado desconfiança internacional e prejuízos imediatos aos que pesquisam.
Antes de questionar especificamente os pontos levantados pelo Sr. Secretário, é preciso assinalar que a preparação deste novo estatuto foi conduzida intra-muros, sem que tenha sido solicitada a colaboração das entidades organizadas e de especialistas do setor. Algumas reuniões foram realizadas depois que o setor descobriu a radical proposta de mudança, mas tais reuniões parecem ter servido apenas para que o Sr. Secretário desse ao processo um certo ar de transparência, uma vez que os pontos destacados na entrevista são exatamente aqueles que constam das primeiras apresentações do Prof. Scliar. Vale dizer que todas as críticas e sugestões apresentadas foram solenemente desprezadas. Mesmo no regime militar as empresas e entidades foram sempre convocadas a participar dos processos de alteração da legislação.
No início da década de 80, o MME decidiu produzir alterações no Código de Mineração e criou uma comissão para propor as possíveis alterações, presidida pelo então Diretor Geral do DNPM, Dr. Yvan Barreto de Carvalho. Desta comissão participaram todas as entidades do setor e especialistas convidados. Foi gerada uma proposta de modernização do Código que não teve continuidade.
Em 1993 o Programa para Mineração implantado no Governo Itamar Franco mobilizou toda a comunidade mineral e culminou com a autarquização do DNPM, na conversão da CPRM no Serviço Geológico do Brasil e na modernização do Código de Mineração, no qual foram feitas mais de 40 alterações consensuais no sentido de desburocratizar e simplificar os procedimentos burocráticos. Tais exemplos da história recente do país permitem-nos repudiar formas autoritárias de conduzir mudanças radicais em setores da economia que, como a mineração, tem produzido resultados significativos nesta década. A justificativa de que o projeto de lei será encaminhado ao Congresso Nacional não pode ser aceita, senão pela simples razão de que o Governo detém ampla maioria nas duas casas congressuais, principalmente pelo fato que, quanto mais imperfeito for o Projeto de Lei, maior a possibilidade de que se produza um resultado final também imperfeito. Apenas para ilustrar, um grande mapa colorido brandido nos corredores do Congresso durante a Constituinte de 1988 conduziu à nacionalização da pesquisa mineral no país, trazendo paralisação e desemprego no setor por quase uma década. Agora, a voz oficial qualifica a mineração nacional como injusta, o Código de Mineração como obsoleto, os pesquisadores minerais como especuladores. O que esperar do Congresso?
Voltando à entrevista, o Sr. Secretário inicialmente deixa claro que o “governo não pensa em atuar diretamente no setor mineral, através de uma empresa estatal, nem muito menos estatizar jazidas minerais que poderiam ser consideradas de interesse estratégico para o País.” Mas o modelo licitatório preconizado corresponde na verdade ao estabelecimento do monopólio estatal sobre os bens minerais metálicos, tal qual ocorre no petróleo, onde a ANP leiloa os blocos que a Petrobrás não quer. O acesso às áreas de pesquisa de metálicos se daria por leilão, possibilidade que suscita fundadas preocupações:
• Quem atribuirá valor a áreas que ainda não estão pesquisadas? Técnicos da CPRM e/ou da futura agência serão induzidos a atribuir valor a prospectos não precedidas de estudos econômicos?
• Com que velocidade o território nacional será pesquisado?
• É intenção do Governo acelerar a revelação do patrimônio mineral ainda ocluso do país ou trata-se de mais um ato destinado a arrecadar fundos para o Tesouro? Lembremo-nos que durante sua apresentação no SIMEXMIN 2012, em palestra intitulada DIRETRIZES GERAIS DO GOVERNO DILMA ROUSSEF PARA O SETOR MINERAL, o Sr Secretário projetou os pontos considerados como “problemas identificados no setor mineral”, entre os quais destacamos um, a Baixa participação governamental na renda mineral.
• Como as empresas juniores poderão participar do esforço exploratório brasileiro, uma vez que sua lógica é a de previamente desenvolver prospectos e em seguida buscar recursos no mercado de capitais? Desnecessário lembrar que estas empresas respondem por quase 60% dos recursos aplicados em pesquisa mineral no mundo e têm sido responsáveis por grande número de descobertas importantes. No Brasil, exemplos como Yamana, Colossus, Aura, Santo Expedito, Amazônia Mineração, Verena, Canico, Cruzader, Rio Novo, Avanco, Talon, Tri Star, Luna, Carpethian, Mbac, Bamin, Manabi, Bemisa, entre muitas outras, revelaram ao país jazidas que, juntas, valem hoje dezenas de bilhões, todas já produzindo ou em fase de viabilidade.
• A discricionariedade na formação de prazos e de preços pelo Governo, bem como no julgamento dos leilões, será um estímulo à corrupção, que infelizmente tem sido endêmica neste país.
• O Governo avaliou as conseqüências desta aventura em termos de desemprego de geólogos, desmonte da infra-estrutura instalada (empresas de serviços, sondagem, consultoria, engenharia, laboratórios)? Certamente que não.
• Finalmente, transferir para o Governo a responsabilidade sobre os tais “minerais estratégicos”, significa, salvo melhor juízo, estatizar o risco da pesquisa mineral. Boa parte dos recursos hoje investidos em pesquisa mineral no Brasil é oriunda de poupança externa, que aqui toma plenamente o risco exploratório. Não faz sentido afastar este capital e substituí-lo por recursos públicos.
Em adição a estas observações, é conveniente lembrar que, tal como no petróleo, onde o Pré-Sal foi considerado estratégico e reservado à Petrobrás, também no caso dos minérios haverá a necessidade de um instrumento estatal para se encarregar dos minérios ditos estratégicos. Se o Sr. Secretário descarta a CPRM e a criação de uma nova estatal, a leitura mais correta parece ser a da reestatização branca da Vale, na qual o Governo, através dos fundos de pensão, já é o acionista majoritário. Bradesco e Mitsui, respectivamente com 7,4% e 5% da Valepar na Vale podem não se sentir confortáveis com eventuais missões públicas da empresa.
Mais adiante, o Sr Secretário adverte: “Não vamos mais apenas continuar carimbando e assinando”. Refere-se ao fato de que foram suspensas desde Novembro 2011 as outorgas de alvarás de pesquisa e portarias de lavra de minerais metálicos, pelo DNPM. É absolutamente inaceitável esta postura do Governo, por inúmeras razões. Primeiro, por se tratar de uma determinação não escrita –portanto não oficial- o que por si só significa um ato autoritário e ilegal, pois fere o principio da publicidade, moralidade inerente aos atos administrativos, e exime o Governo de explicar à sociedade as razões de tal medida. Depois, porque desconsidera totalmente o trabalho de centenas de empresas e pessoas que investiram tempo e dinheiro nos seus negócios e agora amargam prejuízos. E o Governo revela, com esta prática, uma atitude de indiferença, desprezo e desconhecimento por este segmento, uma vez que suspende a edição de títulos sem avaliar os danos que irresponsavelmente causa a terceiros e ao país. Para não dizer, porquê alguma(s) empresas por sua vez receberam alvarás de metálicos (ex. Vicenza Mineração do grupo STR, Presidido pelo empresário pernambucano Roberto Viana Batista recebeu mais 120 alvarás publicados para cobre, e pelo menos 20 alvarás publicados para ferro todos desde Novembro de 2011).
Mais ainda: “continuar carimbando e assinando” remete a uma desconsideração adicional, desta vez com o DNPM. A ABPM considera que o DNPM necessita melhor aparelhamento e qualificação de pessoal, mas não confere a esta importante Autarquia o papel de mero cartório. O Código de Mineração atribui missão de Estado ao DNPM e até onde sabemos, o órgão cumpre corretamente esta missão, analisando os processos na forma da lei e fiscalizando pesquisa e lavra dentro de suas possibilidades financeiras e de pessoal. A ABPM é de opinião que o Governo deveria aparelhar melhor o DNPM e proporcionar melhores condições de gestão profissional. A possível existência de uma Agência no futuro não terá o condão de resolver os crônicos problemas gerenciais que tolhem a correta gestão do patrimônio Mineral brasileiro. A menos que nossas autoridades públicas tenham a correta visão do setor e a dimensão real do desafio a ser enfrentado, a ABPM confessa certo pessimismo neste quesito.
Mais à frente o Sr. Secretário revela um quase desconhecimento da dinâmica da exploração mineral, ao afirmar que a especulação de áreas “não será mais tolerada. Queremos acabar com a cultura do negócio de papel, inclusive como forma de incentivar o investimento. Os associados da ABPM sentem-se ofendidos e aviltados ao serem genericamente tratados como vendedores de papel. Alvarás tem prazo de vigência e podem ser negociados legalmente, não há nesta prática nada além de um elo da cadeia produtiva da mineração, natural nos países que respeitam a livre iniciativa. Pesquisa mineral é sinônimo de empreendedorismo e de inovação. “Sentar em cima” de alvarás, por sua vez, é sinônimo de inação do Governo em fiscalizar corretamente a atividade. Portanto, há que se dar nome aos bois: O que é especulação de áreas? Quem está especulando? Onde estão as áreas sob especulação? A ABPM considera a chamada especulação de áreas um fato menor no conjunto dos problemas da mineração brasileira e não pode ser razão para a criação de um novo marco legal. Por outro lado, a ABPM entende que a falta de fiscalização e de aparelhamento do DNPM é um problema crônico, grave e relevante para os destinos da atividade. E não aceita que seja imputada à pesquisa mineral a carapuça da especulação, cuja existência, se houver, deve ser creditada em primeiro lugar à inércia do Governo e em segundo lugar a pessoas ou empresas que valem-se desta inércia para especular. E para coroar o conceito que o Governo tem sobre especulação, nada mais expressivo do que lembrar que um dos pontos focais do novo modelo é o leilão de áreas de pesquisa, que serão ofertadas ao mercado sem serem precedidas de pesquisa mineral. O que é isso senão especulação oficial? Nesta perspectiva, a ABPM passa a considerar que a especulação oficial torna-se um problema maior.
Em todas as manifestações sobre o novo marco legal, percebe-se que os agentes governamentais estão insatisfeitos com o atual modelo, a ponto de empenhar-se em sacrificar uma das maiores conquistas do setor que é a estabilidade jurídica e a existência de abundante jurisprudência derivada da experiência acumulada na aplicação do Código ora em vigor. A ABPM pergunta ao Sr. Secretário: qual a causa de tanta insatisfação? A mineração, apesar de ser, ao lado da agricultura, um dos sustentáculos da balança comercial, não está beneficiando o país? Os investimentos em pesquisa não têm sido produtivos? A mineração é diferente de outras atividades econômicas quanto à responsabilidade social? Onde está o problema?
Toda esta desconfiança não existiria se o Governo agisse com transparência, convocando o setor mineral para discutir democraticamente as mudanças propostas. A ABPM entende que o atual marco legal brasileiro não tem sido empecilho para o crescimento da atividade mineral e traz segurança jurídica adequada para os investimentos do setor. A grande reforma legal de 1996 modernizou o Código. Foi decisiva para completar a informatização do DNPM e a simplificação de procedimentos. Mas é justo reconhece que há como aprimorá-lo ainda mais. Para isso, sugere que a experiência acumulada do setor seja acionada para, em um processo honesto e transparente, encaminhar soluções para o crescimento da nossa mineração. As idéias que vem sendo sistematicamente divulgadas pelo Sr. Secretário causarão certamente um retrocesso na atividade mineradora, em particular na exploração mineral. E o Sr. Secretário, o Sr Ministro de Minas e Energia e a própria Presidente da República serão politicamente responsabilizados pelas conseqüências advindas destes atos. Portanto, é hora de reabrir o diálogo de dividir a responsabilidade das mudanças com todo o setor. Com honestidade e transparência.
*- Diretoria Provisória da ABPM – Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral
Fonte: Revista Brasil Mineral (nº 320)
Data: Julho de 2012