A Nina do museu de Mineralogia padece de Alzheimer: quem não conheceu a mulher que cuidava dos minerais do curso de Geologia da UFPE?

“Dezessete Milhões de brasileiros têm Alzheimer. Pela primeira vez visitei uma pessoa com esta doença e para minha tristeza foi minha Tia Nina. Você não acredita que alguém possa deixar de registrar na memória uma atitude um minuto depois. Pois acredite, isso existe e é pavoroso.

Nina Fernandes era manicure quando encontrou Maria do Perpétuo Socorro. Elas ficaram tão amigas que ela ajudou a criar os filhos de D. Maria, Anand Rao e Savithri Maria, e ficou íntima da família, se tornando tia para as crianças. Depois, a família Adusumilli seguiu para Brasília e Nina ficou em Recife. No início ela era manicure de D. Maria, após gestão do casal Adusumilli, tornou-se responsável pelo Museu de Geologia/Mineralogia e se aposentou nesta atividade.

Muito ativa fazia palavras cruzadas, ou seja, exercitava a mente. Nunca casou. Antes do primeiro sintoma do Alzheimer, visitava igrejas constantemente após a aposentadoria, fazia bolo de rolo e ia a Brasília onde encontrava sua família Adusumilli. Ao longo dos anos ela descobriu primos e primas na cidade de João Alfredo em Pernambuco e foi morar lá depois do primeiro sintoma de Alzheimer.

Segundo relato de sua prima Inês o primeiro sintoma foi quando ela saiu de casa no centro de Recife e no meio do trajeto esqueceu como voltava para casa mas, lembrou quando já estava indo em sentido oposto. Resolveu, a convite dos primos, mudar para João Alfredo e ao longo do tempo ocorreu a piorá do Alzheimer. Contam que durante o processo ela ficava na varanda de sua casa e dizia que estava presa, gritava para os que passavam na rua, ou seja, no momento em que gritava ela se lembrava das coisas, tinha memória, mas, logo depois se acalmava pois o esquecimento, a falta de memória a acalmavam. Hoje ela tem uma cuidadora que é sua prima e o seu salário de aposentada vaia para ela. Quem administra suas finanças é uma filha de Inês, enfim, sua vida, seu passado, tudo acabou. Ela está viva e olha para a rua e não vê nada, não sabe calçar uma sandália, não sabe fazer as necessidades fisiológicas, apenas, o seu coração pulsa e ela nada sente, nada sabe, não tem passado, nem presente e nem futuro.

Cheguei lá e ela quis muito me beijar. Havia me criado. Mas, disseram que ela é beijoqueira, o que fez comigo faz com outros. Alternava momentos de ternura e de profundo choro pois, assim como tratamos um ser diferente, ficavam perguntando a ela se ela se lembrava disso ou daquilo e ela não se lembrava de absolutamente nada. Quando me beijou senti seu carinho, me lembrei do passado, de como ela me defendia e era minha segunda mãe. No fim, chorei pelo fato da sua vida hoje não ser absolutamente nada.

Sai absolutamente entristecido deste encontro. É uma vida sem vida, uma visão para o nada e nada vai ficar na sua memória. Minha visita não existe, minha mãe que estava comigo muito menos, Nina Fernandes já morreu mas está viva. Seu coração pulsa mas, ela não sabe ir ao banheiro nem vestir uma sandália. Me despedi e me despeço com este texto de Nina Fernandes, sabendo que nunca mais vou vê-la pois, ela não existe, o que existe é um corpo sem vida, lembranças e passado. Um corpo que não está morto mas, não está vivo. Apenas está e não tem vontade alguma e não sabe nada de nada.

Tia Nina sempre te admirei e nunca imaginei que isso fôsse acontecer. Fica o meu beijo para Nina Fernandes que não está viva, pois quem está ai não tem sentimentos, nem passado, nem presente e nem futuro.

Anand Rao

Jornalista, Músico e Poeta”

Veja fotos na página pública do Portal no facebook clicando aqui!